A Biblioteca John Carter Brown, centro de pesquisa avançada em história e ciências humanas sediado na Universidade Brown (Providence, Rhode Island, EUA), possui uma renomada coleção de livros raros sobre as Américas, incluindo uma das melhores coleções norte-americanas de livros sobre o Brasil Colonial, além de coleções sobre a Argentina e o Peru (em que se incluem livros relativos a territórios que constituem hoje o Chile e a Bolívia). Muitos destes trabalhos estão agora livremente disponíveis online, através do Internet Archive.
Entre os livros já disponíveis, há vários trabalhos de interesse lingüístico, incluindo diferentes edições da gramática de Figueira (1687, 1795), o Compendio da Doutrina Christãa na Lingua Portugueza, e Brasilica (Bettendorf 1800) e as primeiras edições das obras de Mamiani sobre o Kipeá (família Karirí, tronco Macro-Jê), língua extinta do nordeste brasileiro -- o Catecismo da doutrina christãa na lingua brasilica da nação Kiriri (1698) e a Arte de grammatica da lingua brasilica da naçam Kiriri (1699). A coleção de livros sobre o 'Peru' inclui trabalhos sobre o Mapuche, o Quechua e o Aymara, além da Arte de la lengua moxa, con su vocabulario, y cathecismo (Marban 1702).
Embora alguns destes títulos já estivessem disponíveis através de outros projetos, outros são contribuições antes inéditas na web. Este é o caso da gramática Kipeá, cuja edição mais amplamente disponível, de 1877, é uma retranscrição do texto original (ao contrário do catecismo, cuja reedição de 1942 é facsimilar). Ainda que a edição de 1877 da 'arte' (que continua sendo, ainda hoje, uma das melhores gramáticas de uma língua Macro-Jê) contenha poucos erros tipográficos, a consulta à edição original é, para o pesquisador, indispensável, o que torna sua disponibilização pela John Carter Brown um serviço de valor inestimável.
Como em outros projetos desenvolvidos em parceria com o Internet Archive, os livros são acessíveis gratuita e universalmente. A digitalização é, geralmente, de alta qualidade. Alguns itens, no entanto, foram imperfeitamente escaneados: talvez para preservar a encadernação, muito apertada, palavras próximas à junção das páginas foram cortadas, o que é uma pena. A digitalização de livros raros contribui muito para preservar a própria integridade física do original, reduzindo a necessidade de seu manuseio. O ideal, portanto, seria que o trabalho de digitalização só ocorresse uma vez, com a melhor qualidade possível, tendo em vista a legibilidade do trabalho e sua plena acessibilidade ao leitor presente e futuro.
Da escassez à múltipla escolha
Graças a iniciativas como a da Biblioteca John Carter Brown e a Brasiliana Digital, além de projetos de maior alcance como o Google Books e o próprio Internet Archive, a dificuldade -- se não impossibilidade -- de acesso a obras raras, especialmente em lugares distantes dos grandes centros, passa a dar lugar a uma relativa abundância de material disponível. O usuário pode se dar ao luxo de escolher, por exemplo, entre pelo menos duas cópias digitais, impecáveis, do Catecismo Kiriri (Mamiani 1698), da Vida do veneravel Padre Ioseph de Anchieta (Vasconcellos 1672), ou da Historia da America Portugueza (Pitta 1730), digitalizados tanto pela John Carter Brown (via Internet Archive), quanto pela Brasiliana Digital. Ou de Rã-txa hu-ni-ku-ĩ: a lingua dos caxinauás do Rio Ibuaçu (Abreu 1914), digitalizado pela Brasiliana Digital e pelo Internet Archive (a partir de original da Universidade de Toronto, Canadá). Ou da Historia Naturalis Brasiliae (Piso & Marcgrave 1648), digitalizada tanto pelo Jardim Botânico de Missouri, quanto pelo Internet Archive (a partir de original da Biblioteca Pública de Boston).
Essencial para o pesquisador e o leitor em geral, a multiplicidade de recursos é também útil para as instituições envolvidas em projetos de digitalização e "webificação" de livros, que podem aprender umas com as outras. À medida que tais experiências se multiplicam, espera-se que um conjunto de normas de melhores práticas (best practices) comece a emergir, tendo a qualidade do material, o interesse do leitor e a abertura da informação como metas. Neste sentido, a iniciativa da Biblioteca John Carter Brown tem algo a ensinar a outros projetos que, por alguma razão, impõem excessivas restrições ao material digitalizado -- caso não só de iniciativas com interesses comerciais óbvios, como o Google Books, mas também iniciativas de orientação mais acadêmica, como a Brasiliana Digital. Neste último caso (um dos melhores projetos de digitalização de livros, no que diz respeito ao Brasil), o único senão digno de nota é o fato de que seus PDFs são excessivamente protegidos, não permitindo sequer o acréscimo de comentários e marcas no texto. Tais recursos, disponíveis hoje até na versão gratuita do Acrobat Reader, enriquecem muito a experiência de leitura e pesquisa, oferecendo ao leitor uma vantagem a mais com relação aos veneráveis (e vulneráveis) livros de papel: a possibilidade de anotar, rabiscar e sublinhar, digitalmente, seu próprio exemplar de um livro raro.
FONTE:
http://blog.etnolinguistica.org/2011/09/livros-raros-da-john-carter-brown.html
Matéria repassada via email por: Viviane de Holanda
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