segunda-feira, 4 de julho de 2011

A surpreendente campanha literária da Inglaterra

Versão editada do texto de Marcelo Alves Dias de Souza. na Tribuna do Norte
“Oh! Bendito o que semeia/ Livros…livros à mão cheia…/E manda o povo pensar!/O livro caindo n’alma/É germe – que faz a palma/É chuva – que faz o mar”. trecho do poema “O livro e a América”, de Castro Alves (1847-1871). Houve um tempo em que esses versos eram declamados várias vezes ao dia na televisão brasileira em uma campanha para incentivar a leitura e o estudo.

Uma interessante campanha, em prol da leitura, vem sendo empreendida por um dos mais populares jornais londrinos, o “Evening Standard”. Esse jornal – que circula, de segunda a sexta, tem uma história bastante interessante. Durante quase dois séculos vendido na rua por pessoas postadas em um banquinho, passou, há cerca de dois anos, a ser dado gratuitamente. Essa mudança, por final, causou muito furor, sobretudo com reclamações dos antigos jornaleiros, que achavam que perderiam suas rendas. Mas a coisa deu certo. Basicamente, os jornaleiros agora são pagos para distribuir o jornal e, certamente, nunca se leu tanto o “Evening Standard” como agora.

Esse jornal atualmente comanda uma campanha, denominada “Get London Reading” [Faça Londres Ler], para incentivar o hábito da leitura entre aqueles que vivem na capital do Reino. A campanha apela diretamente ao leitor e aos potenciais apoiadores e, entre outras coisas, tenta arrecadar fundos (e já vai em vários milhares de libras), incentivar a doação de livros e engajar pessoas para trabalhar voluntariamente – em uma espécie de tutorial individual – com crianças e jovens com dificuldade de leitura e aprendizado, sobretudo em escolas/áreas menos favorecidas. Recentemente foram divulgados dados surpreendentes: há cerca de 12 milhões de analfabetos na Inglaterra e uma casa em cada três não possui um livros sequer.


Além do apelo direto ao leitor, a cada dia o jornal publica uma historieta de sucesso, como a do garotinho Ben Chang que, faz três anos, vindo de Cingapura, chegou a Londres sem falar uma palavra de inglês (falava apenas mandarim). Hoje, com seis anos, já “devorou” todos os livros da pequena biblioteca local, com um recorde de mais trezentos livros em menos de um ano. Agora, ele é um das estrelas da campanha com sua foto (a esquerda), rodeado de livros, estampada no jornal.

Focada também no público adulto, em tempos de Ipad, Kindle e livros em formato eletrônico, a campanha do “Evening Standard” tem disponibilizado livros para “download” gratuito na Net. E o jornal conta o caso de uma senhora, hoje com setenta anos, mas que apreendeu a ler há apenas seis anos: com o acesso gratuito a livros em formato eletrônico mais simplificado, essa senhora e todos aqueles mais informatizados agora navegam também na onda (leia-se, campanha).

Também ganharam espaço no jornal as empresas que têm contribuído com a campanha, como as enormes livrarias Foyles e Waterstones, que doaram livros (ou o resultado das vendas de seus livros), além de estamparem, nas suas gigantescas lojas, cartazes propagando a campanha. E não só as grandes livrarias entraram na onda. Jornalistas, gente do show business e empresas dos mais inusitados ramos, como a cadeia de hotéis Radisson Edwardian e a de roupas French Connection (até a moda a serviço da literatura), também embarcaram juntos. E nessa simbiose do jornal com os apoiadores não só os potenciais leitores – sejam eles dois, dez ou milhares – ganham. Todos ganham. Afinal, quanto custa um espaço, com uma matéria deveras elogiosa, em um jornal de grande circulação?

A verdade é que são tempos difíceis por aqui. O Reino Unido ainda não se recuperou – e acredito que levará muito tempo para tanto – da crise financeira mundial que teve seu pico faz alguns anos. O governo daqui fala incessantemente em austeridade. O sistema de ensino como um todo sofre tanto financeira como qualitativamente, o que é motivo de debates e protestos. E nessa guerra visando o corte de gastos vai junto a verba para a manutenção das bibliotecas públicas (aliás, algo que, infelizmente, vem acontecendo também nos Estados Unidos). Mas em tempos de “guerra”, a sociedade e o Estado, por aqui, procuram dar seus pulos. Além de campanhas como a do “Evening Standard”, algumas das bibliotecas de bairro em risco de fechamento, por exemplo, já acharam a solução de fundirem os recursos humanos, a aquisição e o empréstimo de obras e outros gastos, economizando para sobreviver, enquanto passa esse período mais crítico.

Fonte: http://networkedblogs.com/jYLUp

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